domingo, 9 de setembro de 2012

OS PROBLEMAS SOCIAIS E POLÍTICOS


          Chegados a este ponto podemos nos perguntar como pode a Igreja contribuir para a solução dos urgentes problemas sociais e políticos, e responder ao grande desafio da pobreza e da miséria?
Os problemas da América latina e do Caribe, assim como do mundo de hoje, são múltiplos e complexos, e não podem ser enfrentados com programas gerais. Contudo, a questão fundamental sobre o modo como a Igreja, iluminada pela fé em Cristo, deva reagir diante desses desafios, concerne a todos. Neste contexto é inevitável falar do problema das estruturas, sobretudo das que criam injustiça. Na verdade, as estruturas justas são uma condição sem a qual não é possível uma ordem justa na sociedade. Mas, como nascem? Como funcionam?

          Tanto o capitalismo como o marxismo prometeram encontrar o caminho para a criação de estruturas justas e afirmaram que estas, uma vez estabelecidas, funcionariam por si mesmas; afirmaram que não só não haviam tido a necessidade de uma precedente moralidade individual, mas elas fomentariam a moralidade comum. E esta promessa ideológica se demonstrou que é falsa. Os fatos o colocam manifesto. O sistema marxista, onde governou, não só deixou uma triste herança de destruições econômicas e ecológicas, mas também uma dolorosa destruição do espírito. E o mesmo vemos também no ocidente, onde cresce constantemente a distância entre pobres e ricos e se produz uma inquietante degradação da dignidade pessoal com a droga, o álcool e as sutis miragens de felicidade.

          As estruturas justas são, como disse, uma condição indispensável para uma sociedade justa, mas não nascem nem funcionam sem um consenso moral da sociedade sobre os valores fundamentais e sobre a necessidade de viver estes valores com as necessárias renúncias, inclusive o interesse pessoal.

          Onde Deus está ausente – o Deus do rosto humano de Jesus Cristo – estes valores não se mostram com toda sua força, nem se produz um consenso sobre eles. Não quero dizer que os não crentes não possam viver uma moralidade elevada e exemplar; digo somente que uma sociedade na qual Deus está ausente não encontra o consenso necessário sobre os valores morais e a força para viver segundo a pauta destes valores, mesmo contra os próprios interesses.

          Por outro lado, as estruturas justas hão de ser buscadas e elaboradas à luz dos valores fundamentais, com todo o empenho da razão política, econômica e social. São uma questão da reta ratio e não provém de ideologias nem de promessas. Certamente existe um tesouro de experiências políticas e de conhecimentos sobre os problemas sociais e econômicos, que evidenciam elementos fundamentais de um estado justo e os caminhos que se tem de evitar. Mas em situações culturais e políticas diversas, e em transformação progressiva das tecnologias e da realidade histórica mundial, há que se buscar, de maneira racional, as respostas adequadas e deve-se criar – com os compromissos indispensáveis – o consenso sobre as estruturas que hão de se estabelecer.

          Este trabalho político não é competência imediata da Igreja. O respeito de uma sã laicidade – até mesmo com a pluralidade das posições políticas – é essencial na tradição cristã autêntica. Se a Igreja começasse a se transformar diretamente em sujeito político, não faria mais pelos pobres e pela justiça, mas faria menos, porque perderia sua independência e sua autoridade moral, identificando-se com uma única via política e com posições parciais opináveis. A Igreja é advogada da justiça e dos pobres, precisamente ao não identificar-se com os políticos nem com os interesses de partido. Só sendo independente pode ensinar os grandes critérios e os valores irrevogáveis, orientar as consciências e oferecer uma opção de vida que vai além do âmbito político. Formar as consciências, ser advogada da justiça e da verdade, educar nas virtudes individuais e políticas, é a vocação fundamental da Igreja neste setor. E os leigos católicos devem ser conscientes de sua responsabilidade na vida pública; devem estar presentes na formação dos consensos necessários e na oposição contra as injustiças.

          As estruturas justas jamais serão completas de modo definitivo; pela constante evolução da história, hão de ser sempre renovadas e atualizadas; hão de estar animadas sempre por um “ethos” político e humano, por cuja presença e eficiência se há de trabalhar sempre. Com outras palavras, a presença de Deus, a amizade com o Filho de Deus encarnado, a luz de sua Palavra, são sempre condições fundamentais para a presença e eficiência da justiça e do amor em nossas sociedades. 

          Por tratar-se de um Continente de batizados, convém preencher a notável ausência, no âmbito político, comunicativo e universitário, de vozes e iniciativas de líderes católicos de forte
personalidade e de vocação abnegada, que sejam coerentes com suas convicções éticas e religiosa. Os movimentos eclesiais têm aqui um amplo campo para recordar aos leigos sua responsabilidade e sua missão de levar a luz do Evangelho à vida pública, cultural, econômica e política.



Transcrição do texto extraído do Documento de Aparecida (D. A.) pag. 276 a 279

Sessão inaugural dos trabalhos da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, na sala de conferência do Santuário de Aparecida – Discurso (13 de maio de 2007)

Nenhum comentário:

Postar um comentário